"Filhos do Divórcio"


"O divórcio dos pais é uma realidade confusa para as crianças, quando os têm juntos dentro de si; daí insistem tanto em reaproximá-los por fora." Eduardo Sá

Ilustração de Joana Graça
[Ilustração publicada na
Revista Pais e Filhos, 2008]
Apesar do ideal ser ter a família unida, com o divórcio a criança torna-se mais forte, amadurece mais cedo e o tempo que passa com os pais ganha mais qualidade (Poussin & Martin-Lebrun).

São muitos os autores que têm estudado o impacto do divórcio do casal nos seus filhos. Em 1991, Amato e Keith utilizaram uma técnica intitulada de meta-análise. Compararam 13 mil crianças desde o pré-escolar e concluíram que as crianças, filhas de pais divorciados, apresentam mais problemas do que as crianças filhas de pais juntos.

Esses problemas residiam especificamente num rendimento escolar mais baixo, problemas ao nível do comportamento, dificuldades sociais, um menor ajustamento psicológico, um autoconceito baixo e relações mais conflituosas, tanto com as mães como com os pais, repercutindo-se na sua vida adulta.

Porém, de acordo com Amato, as diferenças encontradas não assim tão grandes, o que sugere que o divórcio não é tão severo e não causa tanto stresse como outras situações negativas que podem ocorrer na infância.

O que novos estudos vêm demonstrar é que os problemas destes filhos nascem do conflito entre o casal e não da situação de divórcio.

Amato e Keith tentaram também verificar algumas variáveis anteriormente estudadas, como o sexo, a idade, a etnia e puderam verificar que, ao nível da variável sexo, o divórcio tem efeitos mais negativos ao nível do ajustamento social (popularidade, isolamento, cooperação) no caso dos rapazes. RAZÕES: 1) as raparigas são socialmente mais competentes; 2) os rapazes são naturalmente mais agressivos.

Em relação à variável idade, Amato refere dois autores muito importantes neste campo, Wallerstein e Kelly, que constataram que as crianças no pré-escolar não compreendem o divórcio dos pais, na medida em que estão ainda a desenvolver as suas capacidades cognitivas (ainda não têm maturidade suficiente). Desta forma, estas crianças acabam por ficar confusas em relação ao divórcio dos pais e chegam a pensar, inclusivamente, que elas são as culpadas pela saída de um dos pais de casa, tal deve-se ao egocentrismo típico da idade.

Wallerstein, Kelly e Trianes entendem que são as crianças desta idade que estão mais sujeitas ao stresse que esta situação provoca, todavia ajustam-se melhor do que outras crianças com idades superiores na altura do divórcio dos pais.

Por altura da escola primária, as crianças têm já maturidade suficiente para compreender esta situação, no entanto este entendimento torna-as tristes e com pena pelo pai que saiu de casa, podendo até conduzi-los a um estado de depressão ou de agressão face a um dos pais ou até mesmo em relação aos dois. Granjan constatou que a dificuldade de representar a separação dos pais pode traduzir-se em agressividade, que se manifesta através de atitudes como caprichos constantes, brinquedos destruídos, bater de portas, birras, etc.

Quando a separação ocorre entre os 6 e os 8 anos, a criança sente muitas saudades do pai visitante, porém sente-se muito ligada à mãe com quem vive, passando por um conflito emocional, que pode prejudicar a sua aprendizagem da leitura e da escrita, pois a sua energia está canalizada noutras coisas que não a escola.

Entre os 9 e os 12 anos, a criança compreende melhor a realidade e, tendo mais mecanismos de adaptação, acaba por investir nas atividades escolares e extracurriculares, não conseguindo, no entanto, esconder os sentimentos de rejeição face ao pai que saiu de casa.

No caso dos adolescentes, a situação é menos pesada, porque estes já não são tão dependentes da família e, por isso mesmo, não sofrem os efeitos diretos do divórcio dos pais. Contudo, não deixam de sentir alguma raiva e chegam a pôr em causa a sua própria capacidade de manter uma relação a longo termo com alguém.

No entanto, a separação faz com que os filhos ponham em causa o seu sentido de estatuto social e de pertença, já que o seu agregado familiar sofreu alterações, o que se reflete na sua autoestima, e por existir ainda algum preconceito em relação às famílias monoparentais, que são vistas como uma tragédia e fracasso.

Também Ricci entende que a panóplia de sentimentos e dúvidas que povoam a criança nessa altura pode levá-la a desenvolver maus hábitos. Como têm medo e se sentem infelizes, podem tornar-se agressivas, conflituosas, birrentas, envolver-se com mais regularidade em lutas ou tornar-se mais reservadas, depressivas ou hipersensíveis.

Se os conflitos entre os pais cessarem com o divórcio, é natural que poucos anos depois a criança já esteja adaptada à sua nova vida familiar e concentrada nas tarefas próprias da sua idade. No entanto, os estudos de Wallerstein sobre filhos de pais separados mostram que estes continuam a desejar a reconstituição da família original até aos 14 ou 15 anos. Deste modo, é importante que os pais percebam que os filhos precisam de tempo para assimilar as novas informações, porém a sua adaptação torna-se mais fácil se os pais falarem com eles sobre as razões do divórcio, sem descurarem a relação que construíram.

Berger chega inclusivamente a defender que aqueles que exteriorizam os seus sentimentos, em conversa com os pais, atravessam o divórcio com menos dificuldade. No entanto, “não basta que os pais informem os filhos com toda a honestidade do que se passa, é desejável que lhes perguntem com muito tato o que pensam e sentem”.

Pelo exposto, é compreensível que a criança canalize a sua energia para a separação dos pais e que, por essa mesma razão, algumas áreas da sua vida sejam afetadas, daí que seja importante que os pais conversem com os filhos, explicando-lhes que os motivos que levaram à separação não estão relacionados com eles, retirando-lhes pouco a pouco a culpa que possam sentir no seu interior.

Concomitantemente, um ambiente estável e a continuação das rotinas familiares diárias são fatores muito importantes para as crianças menores, por lhes transmitirem segurança e estabilidade, apesar dessas regras (casa da mãe e casa do pai), tornarem-se uma grande escola de adaptação a regras sociais e confronto com a adversidade, tornando-os mais flexíveis.

***
SUGESTÕES:
  • Berger, M. (2003): "A Criança e o sofrimento da separação" (2 ed), Lisboa: Climepsi Editores
  • Poussin, G. & Martin-Lebrun, E. (1999): "Os filhos do divórcio - Psicologia da Separação Parental", Lisboa: Terramar
  • Trianes, M.J. (2004): "O Stresse na infância". Lisboa: Edições Asa
  • Ricci, I. (2004): "Casa da Mãe, Casa do Pai - Um Guia para Pais Separados, Divorciados ou que voltaram a Casar". Lisboa: Edições Sílabo.

4 comentários:

  1. Eis um tema muitíssimo complicado... Como filha de pais separados, posso apenas relatar o que se passou comigo. Os meus pais separaram-se eu tinha 3 anos. Tenho memórias de quando estavam juntos e lembro-me bem quando se separaram. Tiveram o cuidado de me explicar o que se passava. Eu sou daquelas sortudas que não sentiu tensão entre os pais. Aliás, eles são amigos! Nunca disseram mal um do outro à minha frente e nunca tive os dias de visita estipulados legalmente. Quando queria ver o meu pai, a minha mãe levava-me.
    Mas o que acabou por acontecer (e é o que penso que acontece em muitos divórcios) é que, apesar de todos os esforços da minha mãe (especialmente dela), não consegui criar uma relação de pai/ filha com o meu pai. Há sempre um progenitor que fica (quase que automaticamente) incumbido o papel de "PAI". O outro passa a ser uma pessoa que gostamos muito mas que não é nosso "pai" - é uma relação diferente, com uma pessoa que não é um amigo, um tio, um familiar... mas também não é pai na definição que conhecemos, não é o "cuidador, o providenciador".
    Não me lembro de sentir insegurança, receios, muito menos de achar que não iria ter uma relação estável mais tarde. Foram coisas que nunca me passaram pela cabeça.
    Posso deixar uma sugestão, enquanto filha de pais separados, que acho muito importante: é fundamental que a criança entenda que, apesar de separados, os pais concordam e praticam o mesmo sistema de ensino, que as rotinas são as mesmas nas duas casas (as crianças são sabidas e, se entendem que os pais não estão de acordo, utilizam isso contra eles - e costuma resultar!). E, ainda mais importante (esta especialmente para as mães) - os filhos precisam de ser educados pelos 2 pais, precisam de perceber que são ambos progenitores "cuidadores". A chamada da tarefa de educar a apenas um pai ou que um pai tenha mais "domínio" que o outro levará a que a criança olhe o outro com olhos diferentes. E isso é mesmo mau!
    Desculpa o tamanho do comentário, Lili. Este assunto para mim é mesmo importante!

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    1. Cátia, a tua "experiência" reforça a ideia de que “os problemas destes filhos nascem do conflito entre o casal e não da situação de divórcio.”
      Obrigada por enriqueceres esta publicação com o teu comentário!
      Um enorme beijinho*

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  2. Oi Liliana,
    O livro de SATIR, Virginia. Terapia do grupo familiar. Rio de Janeiro. Editora: Francisco Alves, 1993.(5°Edição) 296.p é um livro que aborda este tema de forma clara e objetiva. Bjos

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    1. Obrigada pela sugestão, Cibele.
      Vou tentar encontrá-lo!

      Beijinho*

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